segunda-feira, 16 de maio de 2016

Automutilação - perguntas e respostas

                                                  Resultado de imagem para automutilação

Já se tornou comum adolescentes praticarem a automutilação e divulgarem fotos das cicatrizes nas redes (Instagram e Whatsapp, por exemplo). O que explicaria esse comportamento? É uma moda? É uma tentativa de chamar atenção ou uma busca compreensível por apoio?
 
Vivemos em um momento social em que o que não é visto não é sentido, e o que não é compartilhado, perde seu valor de vivido. Em geral, as pessoas tendem a ter dificuldades em compreender o que não pode ser quantificado,  que não está concreto como uma ferida aberta. Pessoas com  depressão ou fibromialgia, por exemplo, sofrem com este preconceito, com a dificuldade de compreensão e o julgamento por não terem “uma causa e ferida real”. A automutilação, longe de ser uma moda, é um sintoma do nosso tempo, de como os adolescentes estão vivenciando os acontecimentos e onde e como estão encontrando formas de expor as suas dores subjetivas. No corpo e na internet, o subjetivo se torna real. É preciso ter um olhar diferenciado para não banalizar algo que é tão forte internamente que chega ao ponto de ultrapassar a barreira da dor física, tão evitada. Sim, é também um pedido por ajuda e apoio.
 
- Muitas das imagens que vimos compartilhadas são bastante comentadas, geralmente com palavras de apoio e expressões de superação. De alguma forma, esses comentários podem ajudar a pessoa que pratica a automutilação? Como?
 
Este apoio pode ser uma moeda de duas faces. Por um lado pode oferecer um suporte, o compartilhar de experiências proporciona um sentimento de pertencimento, de não estar só, de não ser o único a viver esta situação. Nesse momento, sentir-se amparado pode ser reconfortante.
Por outro lado, por a internet ser um “lugar público”, a pessoa que se expõe está sujeita a todo tipo de comentário, inclusive os julgadores e depreciativos, que podem agravar a situação. Também há muitas pessoas que se disponibilizam para ajudar, passam seu número de telefone. É preciso cautela, já que pode ser alguém que queira se aproveitar de alguém que está claramente fragilizado.
Também é preciso ter um olhar cuidadoso de como a pessoa percebe as “curtidas”, se as sente como sinal de aprovação do seu comportamento, transformando-se assim em um reforçador da conduta.
 
 
- Conversar com pessoas que também se automutilam pode ser uma boa estratégia para lidar com o problema? Por quê?
 
Sim, com certeza. O compartilhar permite a troca de vivências e a compreensão dos sentimentos. Poder falar do problema com alguém que também o vive gera sentimento de aceitação, de não julgamento. Será através do espelho que o outro faz que poderá se reconhecer e diferenciar, também tirar o peso do estigma unicamente de si. Conversar com outras pessoas também pode esclarecer e apontar caminhos e estratégias de como os outros estão fazendo para lidar com aquela situação, ajudando a pessoa a criar recursos de enfrentamento para ultrapassar esse momento difícil.
 
- Os cortes costumam ser a expressão de outro problema que o adolescente passa? Quais?
 
Sim. São muitas as questões que o adolescente tem que enfrentar nesta fase. A mudança corporal, a explosão hormonal, a descoberta da sexualidade. Também nesta fase é chamado a responder a cobranças sociais quanto à responsabilidades com o futuro, com a futura profissão,  tudo isso misturado com a necessidade de fazer amigos, fazer parte de um grupo. Aliados a este turbilhão de acontecimentos e seus efeitos, a ansiedade e depressão advindos do bullying e de outras situações, falta de comunicação de qualidade entre pais e filhos e sentimentos como o de inadequação, incompreensão e solidão podem ser expressos em cortes.
 
 
- O que essas pessoas sentem quando se cortam?
 
Os cortes produzem uma reação natural do cérebro de liberação de endorfina, que pode gerar uma sensação de prazer. Além da sensação física, a pessoas que se automutilam relatam sentir alívio ao transferir o foco dos sentimentos vividos no mundo interno como tristeza, angústia, ansiedade, raiva, frustração, medo e solidão para o foco na dor física, proporcionando um desafogo momentâneo. Em alguns casos, sentimento de poder sobre o próprio corpo.
 
- Vi cortes em diferentes partes do corpo –no pulso é mais comum, mas havia também na barriga, por exemplo. Umas das meninas que postou uma imagem de cortes na barriga fez uma legenda que indicava que também se sentia gorda. Nesse caso, o corte também pode ser uma maneira de exibir a insatisfação com determinada parte do corpo?
 
Diria que o que está expresso não é somente a sua insatisfação com determinada parte do corpo, mas seu sentimento em relação a ser rejeitada, e então, rejeitar-se e punir-se, advindos da cobrança e da inadequação diante dos padrões de beleza impostos socialmente. A percepção sobre si e sobre o mundo pode ficar bastante negativa nessas circunstâncias.
 
- Como e onde essas pessoas podem buscar ajuda?
 
Conversar com os pais seria o primeiro passo. É importante haver espaço em casa para se falar o que sente, sobre o que pode estar acontecendo que tenha levado à esse comportamento. Algumas mudanças práticas que ajudam com o problema são fáceis de serem realizadas, como a troca do colégio, por exemplo. Procurar ajuda do psicólogo é de grande valia para pais e filhos, já que os pais muitas vezes não sabem como reagir e podem acabar agravando a situação se não souberem como acolher e abordar o assunto. O psicólogo irá fazer o acompanhamento do caso e avaliará a necessidade de encaminhamento para um psiquiatra.
 
- Como os pais podem identificar que o filho está se automutilando? Quais são os sinais?
 
Mudanças comportamentais, como ficar mais introspectivo, excesso de mau humor, mudança nas vestimentas  na tentativa de esconder os cortes, como usar blusa de frio em dias quentes ou deixar de usar saia,  comportamentos evitativos de toque ou exposição, como deixar de ir o clube, não ficar nu ou semi nu na frente dos pais e irmãos. Os pais devem estar atentos à diminuição de remédios e curativos, ao sumiço de objetos cortantes como lâminas de barbear. O sinal de alerta se acende caso os encontre no quarto do filha (a), em meio aos seus pertences pessoais. Estar atento ao conteúdo da fala do filho, o que ele diz e sente sobre a escola, sobre os amigos, sobre a vida fornecem indícios preciosos caso o conteúdo seja carregado de pessimismo, negativismo.
 
 
- E como os pais podem ajudar os filhos?
 
A descoberta deste comportamento pode ser muito assustadora para os pais.
Os pais podem ajudar aos filhos buscando informações sobre o assunto e procurando a ajuda profissional de um psicólogo. Os pais também podem buscar ajuda para si, procurando a orientação de um psicólogo, onde poderá falar de seus sentimentos e de como tem tentado lidar com a situação.  
 Matérias como esta são importantes ferramentas que contribuem para pais mais conscientes, menos julgadores, mais acolhedores e compreensivos. Se há um problema, há um porquê por trás que precisa ser investigado. Descobrir a origem do problema que pode ter raízes profundas ajudará não só a lidar com a situação atual, mas a sua solução e resignificação poderá ajudar seu filho a ser um adulto com mais recursos adequados para lidar com os próximos problemas que virão.