Passou pela porta de entrada e foi
como se já fizesse muito tempo desde que esteve ali pela última vez. Com o
passar dos dias, semanas, meses (já não sabia mais, tinha perdido a noção de
quanto tempo) as coisas, por falta de cuidado, foram tornando-se empoeiradas:
as cadeiras, os vasos, o sofá, o que tornava aquele lugar familiar. Passou,
passaram despercebidos. Os porta-retratos indicavam que alguém ali já tinha
sido feliz, um casal, uma família que existiu. Ainda existe? Ainda existe.
Mesmo sem saber o porquê, essa resposta parece ser a única, ainda que não lhe
traga conforto. Caminha por ali, cansado, chegando do trabalho. Observa em silêncio. O descuido
do dia-a-dia fez com que chegasse a este ponto de distanciamento. Não sente-se
a vontade para sentar-se ali. Não enxerga mais. Não sente-se a vontade pra
dizer à sua esposa, ali, no sofá, aquele “eu te amo”. Amor estampado agora
encoberto. Esposa. Tanta intimidade. Conhece aquele corpo, o toque, mas não
mais os sentimentos. Não mais seus sentimentos. Percebendo neste momento tudo
que rodeia esta casa, reconhecendo num olhar atendo à TV um brilho singelo que
há muito não percebia (não que não estivesse ali, mas que realmente não foi
percebido), tomado por uma motivação estranhamente adormecida que lembra- se
ter possuído no princípio de tudo, de súbito seu olhar se levanta e solta como
quem fez uma grande descoberta: “Maria, levanta deste sofá! Está na hora de
arrumar a casa.”